quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Espalhe você também essa idéia....

Post Cris Guerra – Blog Hoje Vou Assim – 11/10/2010
Visita ao afilhado Fernando (Medina – MG)




Quando a mãe dele veio na minha direção, veio aos prantos. Segundos depois fui em direção a ele, que me esperava com um buquê de flores, tímido, calado, em pânico. Ele não imaginava que seu encontro comigo teria duas ou mais câmeras como testemunhas. E eu queria muito abraçá-lo, talvez para dizer com o abraço aquilo de que as palavras não são capazes: que se dependesse de mim ele nunca teria passado por sequer uma dificuldade. Que eu queria vê-lo sorrindo o tempo todo, pleno e, que mesmo se eu nunca pudesse ver o seu sorriso, queria ter notícias de uma vida feliz.

Fernando tem 12 anos. É meu afilhado desde os quatro. São oito anos de compromisso com uma criança que eu não conhecia e que, agora, finalmente, pude tocar, abraçar, beijar, pegar sua mãozinha, sentir dela o calor. Olhar para os olhos dele e constatar minha impressão: Fernando é tímido, mas parece um menino arteiro. A mãe confirmou. Ele joga capoeira – e como cresce jogando capoeira. Enquanto eu o assistia, sentia um orgulho de mãe.



Amanda, a irmã mais nova de Fernando, é mais desinibida e chegou a mim antes dele. Não desgrudamos. Leonina como eu, eu logo descobri, ela fez comigo um trato de que me escreveria sempre para dizer se ele tem se comportado bem. E apesar de ser um ano mais nova que o irmão, parece cuidar dele. Em um determinado momento, Fernando, que se manteve recuado durante muito tempo em seu silêncio, resolveu tomar posse da madrinha e demonstrou discretamente um certo ciúme da irmã. Gostei da atitude. Mas o meu coração é grande. Saí de Medina pensando em apadrinhar mais um.
E só não vai ser o Cauã porque o Élcio (nosso fotógrafo) já pensou nisso antes de mim.
A história do Cauã cortou meu coração. Em minha primeira visita à escola, ainda de manhã, recepcionada por três menininhas lindas com cartazes em forma de coração dizendo “Bem-vinda, madrinha Cris”, fui participar da roda que inicia o dia com as crianças. Cada criança em sua turma, cada turma em uma roda. E eu resolvi ficar ao lado de Cauã, o menino bonito de camiseta laranja e expressão de seriedade. Cauã não sorria nunca. Chegava a franzir as sobrancelhas, tamanha era a amargura que se via em seu rosto. Eu mexia com ele, tentava abraçar, conversar, sugerir que cantasse, pois ele não participava da roda. Estava ausente. E mantinha a expressão dura de quem não estava de fato ali.
Acabada a roda, fomos para o refeitório onde as crianças tomariam seu café da manhã. Um mingau de maizena que me lembrou minha infância e que foi devorado por todas. Observei Cauã de longe e ele continuava sem esboçar sequer um sorriso, embora já tivesse expressão mais leve por estar se alimentando.

Quando voltamos à escola, à tarde, para o meu encontro com o Fernando, em um determinado momento Cauã veio para perto de mim. Abri os braços para pegá-lo no colo, feliz por ele finalmente ter se aberto para mim. E então ele esboçou o primeiro sorriso. E ficou perto de mim o resto da tarde. Cauã também tem uma irmãzinha mais velha, Camila. Sorridente, ela ocupou meu colo por muitos minutos daquela tarde.

Entre uma ida e outra à escolinha – uma pela manhã, para ver as crianças menores, outra à tarde, para me encontrar com Fernando –, fomos à horta comunitária da cidade, cuidada por 15 famílias que ali tiram parte do seu alimento e até uma ajuda para seu sustento, com a venda das horaliças. Ali conhecemos Dona Antônia e seu filho mais novo. Ela me abriu um sorriso com poucos dentes e muita alegria – tem orgulho daquela horta de que cuida todos os dias.

Depois fomos à zona rural de Medina, para ver uma horta na casa de Dona Mariazinha. Uma casa de chão, herdada dos pais de Dona Mariazinha, onde ela vive com o marido, três filhos e muitos bichos. Entre gatos e cães, a maritaca Joana nos recebeu muito bem. Nos fundos, num pocinho de pouca água, ela lava a roupa e a família toda toma banho, junto com as centenas de girinos que crescem ali a olhos vistos. Dona Mariazinha tem a minha idade. Um sorriso bonito num rosto cansado, mas não menos bonito. E não deixou de nos oferecer um cafezinho com biscoito de polvilho, que tomamos na cozinha escura, iluminada por um buraco de janela por onde o sol entrava.

Naquela tarde, eu fui uma árvore de crianças. Porque elas não são carentes só de comida, dinheiro, escola. São carentes de contato, abraço, beijo, sorriso. Suas mães têm muitos filhos e muitos afazeres além delas.

O planejamento familiar, responsabilidade das políticas públicas, mal chega às populações carentes de Medina. Há uma burocracia enorme para conseguir uma esterilização de quem já tem mais de seis, oito, dez filhos.
Nesse contexto, a responsabilidade da Ascomed – Associação Comunitária de Medina, que é mantida pelas recursos do Fundo Cristão, é prestar uma assistência às crianças e suas famílias. A instituição oferece educação infantil, casinha de cultura, horta comunitária, programa de vigilância da qualidade da água e muitas outras atividades importantes que são fundamentais para que as famílias possam seguir suas vidas com um mínimo de alimentação, saúde e perspectivas de futuro para seus filhos.
As escolas municipais da cidade têm vagas sobrando porque as mães sabem que o melhor cuidado está na Ascomed. As mulheres que lá trabalham são apaixonadas pelo que fazem, encaram aquela função como algo muito maior que um simples trabalho e de fato se preocupam com cada criança. Quando uma delas chega à escola com um comportamento diferente, uma das profissionais vai até a casa da criança, verificar se há algo de errado no ambiente familiar. Em uma realidade onde falta quase tudo, a complexidade dos problemas pode ser surpreendente.
Entre as educadoras está Cidinha, que apesar de baixinha transmite uma força impressionante. Foi apresentada a mim com os olhinhos brilhando, pois cresceu apadrinhada pelo Fundo Cristão. Cidinha é um metro e meio de pura gratidão. Ao longo da infância, seu sonho era trabalhar na Ascomed. Para mim, fez questão de dizer que ali trabalharia de graça, sem ganhar um centavo. Hoje, está se formando em Serviço Social.
Ao final da festinha que foi feita para me receber, Cidinha declarou:
— O padrinho é um ser mágico. É um super-herói, um anjo, uma fada, um gnomo.
Sei que não sou nada disso, mas, naquele dia, me permiti sair de lá com essa sensação. A maneira como fui recebida e o olhar de cada uma daquelas crianças ajudaram.
O dia terminou com a exibição de curtas brasileiros do projeto Tela em Trânsito, uma iniciativa do Nélio Costa, amigo que foi com a gente pra registrar em vídeo a nossa ida.
Se o dia foi especial para as crianças, posso dizer que foi um dos mais importantes da minha vida. E vai ficar no coração para sempre.
Fernando é apenas um dos 12 filhos vivos de Dôra, que teve 14 ao todo. Sua família me pareceu unida e amorosa. Conversei com o pai, um homenzinho franzino e bem humorado, e perguntei se não havia TV em casa. Ele riu, entrando no clima da piada, e contou que Fernando estava tímido ao me encontrar, mas que desde que soube da minha ida não parou de sonhar com a madrinha.
E agora eu sinto um orgulho dele. Uma saudade desse menino cuja existência cresceu em minha vida desde que nos conhecemos. É muito bom saber que nesses anos eu contribuí de forma quase silenciosa para uma vidinha simples, sim, mas na qual as faltas não foram tão significativas quanto seriam sem a minha participação.
Quero escrever logo uma carta pra ele.
Agora, mais do que antes, posso dizer: apadrinhar uma criança é uma experiência privilegiada. E esse ato que significa tanto para o Fernando custa para mim 42 reais por mês.
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